Sergio R. Basbaum on Tue, 26 Sep 2006 15:49:00 +0200 (CEST)


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Enc: Re: [nettime-br] Já existe uma teoria tática brasileira?


Oi Ricardo,

Eu pensei que tinha mandado para a lista. Não reparei. Em todo caso, segue a
resposta ao posto do Ricardo Rosas sobre a questão de uma teoria tática
brasileira.

abs

S.

----- Mensagem encaminhada de ricardorosas rosas <ricardorosasc@gmail.com> -----
    Data: Mon, 25 Sep 2006 13:02:39 -0300
      De: ricardorosas rosas <ricardorosasc@gmail.com>
Reponder para: ricardorosas rosas <ricardorosasc@gmail.com>
 Assunto: Re: [nettime-br] Já existe uma teoria tática brasileira?
    Para: "Sergio R. Basbaum" <sergiobasbaum@pucsp.br>

Sérgio,

Tem como você mandar essa sua resposta para a lista? Acho seus argumentos
super sensatos e é legal abrir esse seu questionamento para outros membros
da lista.

Você posta? E-mail: Nettime-br@nettime.org

Tô no aguardo - te respondo por lá!!!

Abração
Ricardo


Em 21/09/06, Sergio R. Basbaum <sergiobasbaum@pucsp.br> escreveu:
 Oi Ricardo,

 Vou esboçar uma resposta muito breve, mais para ajudar a conversa a seguir do
que para dar conta de tudo o que você sugere no seu ótimo texto. Responder assim
tão breve não dá para dar conta do problema, mas enfim, pelo menos segue o
diálogo.

A questão tem vários lados. Por um lado, que falta fazem Glauber Rocha, Hélio
Oiticica, e outros que da geração que não tinha medo de pensar por si própria,
aquela geração que pôs o Brasil na ponta de muitas coisas, nos anos 60. Glauber,
quando foi para Cannes, fez questão de comer com as mãos, para mostrar
que não se deixaria constranger pelo discreto charme da burguesia, e que
não tinha vergonha da sua condição terceiro-mundista.

Então ficamos assim com essa coisa - turbinada pelos anos de ditadura, e pela
crise econômica que já dura décadas e que nos deixou parados, atolados em
nossas contradições - de estarmos atrás, e no contexto tecnológico isso se
multiplica, e fica-se importando discursos. No meu modo de ver, há uma
carência de capacidade reflexiva em muita energia ativista boa que rola aqui, e
muita dificuldade em olhar a realidade por parte de gente que tem a capacidade
reflexiva. Alienam-se nos discursos importados e não percebem a condição
cotidiana, que é de onde deve surgir qualquer discurso que dê conta de uma
realidade "local", como você sugere. Então, ativismo sem reflexão, reflexão sem
objeto real. Isso são especulações - talvez nem façam justiça a iniciativas
interessantes rolando.

Mas, além desse quadro, há a questão da globalização - e isso a tecnologia
vem fomentando - que é o fim das barreiras e das fronteiras nacionais, que vem
esvaziando - e em muitos casos sabotando com uma retórica oportunista que
encobre outros interesses - a própria idéia de uma cultura e uma realidade
"brasileiras", com esse espírito de nação, nacionalista. Não sabemos o que
é o Brasil, e ainda por cima são muitos Brasis, com contradições tão
impressionantes que não há discurso que dê conta. Será que conseguimos
algo melhor do que Oswald, Mario e Gláuber - ou Darci Ribeiro - como reflexões
sobre o Brasil? Ou ainda estamos parados nessas visões modernas do "país" que
aspira um futuro?

Pensar é um desafio, uma vocação, um desejo. Mas também estamos sem estrutura
e com uma gama de desafios enorme, diante da qual só nos resta nos colocarmos a
altura e tentarmos crescer com eles.

No meu modo de ver, começamos com micro-políticas (estou roubando essa expressão
do Guatari e nem sei se é isso a que ele se refere): a meu ver, trata-se de como
ocupamos criticamente cada espaço que nos é oferecido. Penso que a partir daí
podem-se criar condições para gestos diferentes, e para um pensar marcado por
essa vivência local, do qual surjam respostas que dizem respeito a essa
realidade local, e que podem iluminar aspectos negligenciados no debate global,
pois as questões que emergem em outras realidades não podem ser as mesmas - se
forem, há algo errado.

Mas o que há de comum em tudo isso? A mediação tecnológica. E, no meu modo
de ver, segundo os caminhos que tenho trilhado, tentando avançar algumas
intuições que emergem do embate com o cotidiano e com o alimento dos livros e
das obras, esse agenciamento tecnológico já traz as marcas de um pensar que o
constituiu, portanto já agencia o real segundo um modelo de instalação do mundo
que não é tão fácil de subverter como muita gente gostaria.

Por outro lado, há uma energia circulando nessas redes, sobre a qual talvez se
esteja falando menos do que devíamos... De certo modo, o pensamento tem
sempre ajudado a formalizar as vozes que já operam na cacofonia da cultura.
Talvez compreender e amplificar esses discursos, ou aquilo que os anima seja um
modo de produzirmos um pensamento iluminado pela circunstância local, como você
reivindica.

Bem, está meio confuso, assim de bate pronto. Mas ao menos estamos
falando.

abraço

Sérgio
>
>
>
>
>
> Citando ricardorosas rosas <ricardorosasc@gmail.com>:
>
> > EXISTE UMA "TEORIA TÁTICA BRASILEIRA"?
> >
> > Ricardo Rosas
> >
> >
> >
> > Essa é uma questão que tenho me posto ultimamente e tenho tentado pensar
> > esse tema, uma vez que boa parte das teorias e práticas ativistas por
> aqui
> > parecem sempre vir de fora. Conhecemos os Provos, Luther Blissett, Hakim
> > Bey, entre outros, mas pouco conhecemos de teorias ou práticas usadas
> por
> > aqui. Será que é por que não as temos? Seremos os típicos "homens
> cordiais"
> > que a tudo se conformam, como pensava o Sérgio Buarque de Holanda, ou
> > teremos também uma tradição de pensamento contestatório brasileiro?
> >
> >
> >
> > Teremos nossas próprias táticas? Nossas ações diretas? Se sim, quais
> são? Há
> > também acaso originalidade nesse pensamento, algo como uma brasilidade
> > própria? Não é o caso aqui de falar de um "terceiro-mundismo", uma
> "estética
> > da fome", mas procurar algo que distingue nossas ações dos outros. É
> > interessante perceber como muito dos movimentos anti-globalização desse
> > início de milênio cultuam "bandas de samba" ou realizam "carnavais
> > anti-capitalistas". Ora, mas não são o samba e o carnaval algo tão
> nosso,
> > tão brasileiro?
> >
> >
> >
> > Com certeza nossa tradição não é vazia. Sim, já tivemos o mini-manual do
> > guerrilheiro urbano de Marighela, com a sizudez típica do
> revolucionarismo
> > dos anos sessenta, ou os contos "gonzo" do Ari Almeida, com suas
> molecadas
> > bem-humoradas. Temos também alguma noção das práticas de ação direta do
> MST
> > ou dos grupos de sem-teto. Com certeza, há pouco material escrito sobre
> > elas. E conexões mais diretas com a nossa cultura? Com nossa situação
> > econômica, cotidiana?
> >
> >
> >
> > Com certeza, no universo da arte brasileira poderíamos beber um pouco do
> > parangolé e do barracão de Hélio Oiticica, assim como das "inserções em
> > circuitos ideológicos" de Cildo Meirelles, ou ainda das experimentações
> de
> > Artur Barrio ou das intervenções de coletivos dos anos 70 como 3Nós3,
> entre
> > outros. E as conexões contemporâneas, onde podemos beber a realidade que
> nos
> > condiz?
> >
> >
> >
> > Se nos voltamos para a arte tecnológica, aquela que de certa forma mais
> se
> > aproxima, de uma forma ou de outra, da atuais ações de ativismo de
> mídia,
> > onde reconhecer essa brasilidade, que não é essencialismo ontológico,
> mas
> > circunstância real de vida? Teremos talvez um vazio, tanto na criação
> como
> > na teorização, mas, veja-se bem, a realidade da cultura eletrônica
> > brasileira é muito rica, e acontece fora dos grandes circuitos de
> exibição.
> > Ela está, pois, nas ruas. Acontece nos puxadinhos, nas gambiarras, nos
> > camelôs e suas estratégias de fuga do rapa, na pirataria, nas práticas
> de
> > mutirão, nos arrastões, nos bailes de tecnobrega ou funks. São essas
> > práticas espontâneas, independentes, esses troca-trocas, que constituem
> > talvez o que de mais rico e original nossa cibercultura, nossa cultura
> > eletrônica tenha produzido. Elas acontecem nas brechas, nos desvãos da
> > cibercultura oficial. Sua natureza tanto pode ser a vida cotidiana, o
> > dia-a-dia digital e sua configuração mais real (mais real mesmo que as
> > estatísticas sobre o Orkut ou o acesso da população à rede), quanto às
> > práticas de contestação, de ação direta coletiva, de protesto.
> >
> >
> >
> > Fica então uma proposta de pensar se haveria uma cultura tática
> brasileira,
> > uma teoria de mídia tática ou de ativismo que pensasse nossa
> especificidade,
> > nossa contribuição. Ela existirá? Já temos algo nesse sentido? É o que
> > proponho aqui a todos que queiram contribuir nesse sentido, enviando
> > ensaios, textos, manifestos, o que acreditarem que sejam sementes para
> se
> > pensar uma teoria tática brasileira.
> > _______________________________________________
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> > Nettime-br@nettime.org
> > http://www.nettime.org/cgi-bin/mailman/listinfo/nettime-br
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> Prof. Dr. Sérgio Roclaw Basbaum
> Depto. de Ciências da Computação
> Faculdade de Matemática, Física e Tecnologia
> Pontifícia Universidade Católica - São Paulo (PUC-SP)
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