h.d.mabuse on 1 Nov 2000 17:34:39 -0000


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Re: [nettime-lat] nettime-lat es una burla


Pra colocar um pouco de pensamiento de esquerda na lista :)

É um texto longo, mas vale a pena ser lido! Inclusive para discurtir os 
papéis de todos nós nesse mundão a fora, do Sbcomandante Marcos para a 
Nettime-lat:

Nosso próximo programa: Oxímoro!
===============================

Num mundo em que a barbárie tornou-se quotidiana,
é preciso reconhecer a responsabilidade dos intelectuais que resistem.
Depende da ação deles saber se o protesto se esgotará em denúncia
sem perspectiva ou, ao contrário, levará à formação de novos atores
sociais e, indiretamente, a novas políticas econômicas e sociais
-------------------------------------------
Subcomandante Marcos



"Para a figura denominada oxímoro, aplica-se a uma
  palavra um epíteto que parece contradizê-la;
  assim os gnósticos falarão de uma luz escura;
os alquimistas, de um sol negro."".
-------------------------------------------
Jorge Luis Borges


ADVERTÊNCIA, INTRODUÇÃO E PROMESSA

Atenção: se você não leu a epígrafe, é bom que o faça agora, porque pode 
não entender algumas coisas. Um fato irrefutável: a globalização está aqui. 
Não a qualifico ainda, simplesmente assinalo uma realidade. Porém, posto 
que oxímoro, é preciso assinalar que se trata de uma globalização fragmentada.

A globalização foi possível, entre outras coisas, por duas revoluções: a 
tecnológica e a da informática. Foi e será dirigida pelo poder financeiro. 
Juntas, a tecnologia e a informática (e com elas o capital financeiro) 
diminuíram distâncias e romperam fronteiras. Hoje é possível ter 
informações sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de forma 
simultânea. Mas também o dinheiro tem agora o dom da ubiqüidade, move-se de 
maneira vertiginosa, como se estivesse em todas as partes ao mesmo tempo. E 
mais, o dinheiro dá uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um 
mega-mercado.

No entanto, apesar da globalização do planeta, ou melhor, precisamente por 
ela, a homogeneidade está longe de ser a característica desta troca de 
século e milênio. O mundo é um arquipélago, um quebra-cabeças cujas peças 
se tornam outros quebra-cabeças e a única coisa realmente globalizada é a 
proliferação do heterogêneo.

Se a tecnologia e a informática estão unindo o mundo, o poder financeiro 
utiliza-as como armas, como armas em uma guerra. Antes havíamos dito (o 
texto se chama "Sete peças soltas no quebra-cabeças mundial", EZLN, 1997) 
que na globalização trava-se uma guerra mundial, a quarta, e que se 
desenvolve um processo de destruição/despovoamento e 
reconstrução/reordenamento (estou tentando resumir apressadamente, sejam 
benevolentes) em todo o planeta. Para a construção da nova ordem mundial 
(planetária, permanente, imediata e imaterial, segundo Ignacio Ramonet), o 
poder financeiro conquista territórios e derruba fronteiras, e o consegue 
fazendo a guerra, uma nova guerra. Uma das baixas desta guerra é o mercado 
nacional, base fundamental do Estado-Nacional. Este último está em vias de 
extinção, ou ao menos o Estado-Nacional tradicional. Em seu lugar surgem 
mercados integrados ou, melhor, lojas de departamentos do grande shopping 
mundial, o mercado globalizado.

As conseqüências políticas e sociais desta globalização constituem um 
oxímoro reiterado e completo: menos pessoas com mais riquezas, produzidas 
com a exploração de mais pessoas com menos riquezas, "a pobreza do nosso 
século não é comparável a nenhuma outra. Não é, como já foi alguma vez, o 
resultado natural da escassez, mas o conjunto de prioridades impostas pelos 
ricos ao resto do mundo"1; para uns poucos poderosos o planeta abriu-se 
cada vez mais; para milhões de pessoas o mundo não oferece lugar e elas 
vagam errantes de um lado para outro; o crime organizado forma a coluna 
vertebral dos sistemas jurídicos e dos governos (os ilegais fazem as leis e 
"cuidam da ordem pública"; e a "integração" mundial multiplica as fronteiras).

Deste modo, se ressaltarmos algumas das principais características da época 
atual, diríamos: supremacia do poder financeiro, revolução tecnológica e 
informática, guerra, destruição/despovoamento e reconstrução/reordenamento, 
ataques aos Estados Nacionais, a conseqüente redefinição do poder e da 
política, o mercado como figura hegemônica que permeia todos os aspectos da 
vida humana em todas as partes, maior concentração de riqueza em poucas 
mãos, maior distribuição de pobreza, aumento da exploração e do desemprego, 
milhões de pessoas sem-teto, delinqüentes que integram o governo, 
desintegração de territórios. Em resumo: globalização fragmentada.

Bem, segundo esta consideração,  no caso dos intelectuais (haja vista que 
têm a ver com a sociedade, o poder e o Estado) cabe perguntar: estão 
padecendo do mesmo processo de destruição/despovoamento e 
reconstrução/reordenamento? Que papel lhes atribui o poder financeiro? Como 
usam (ou são usados pelos) os avanços tecnológicos e de informática? Que 
posição têm nessa guerra? Como se relacionam com os combalidos Estados 
Nacionais? Qual o seu vínculo com esse poder e política? Que lugar têm no 
mercado? E como se posicionam frente às conseqüências políticas e sociais 
da globalização? Em suma: como se inserem nesta globalização fragmentada?

O mundo teria mudado por e para esta guerra. Se as coisas de fato são 
assim, os intelectuais clássicos não existiriam mais, nem suas antigas 
funções. Em seu lugar, uma nova geração de "cabeças pensantes" (para usar 
um termo criado pelo comandante zapatista Tacho) teria emergido (ou está 
por emergir) e teriam novas funções em sua atividade intelectual.

Ainda que pretendamos aqui nos limitar aos intelectuais de direita, serão 
evidentes algumas observações sobre os intelectuais em geral e sobre suas 
relações com o poder. Como o propósito deste texto é participar e alentar a 
polêmica entre os intelectuais de direita e esquerda, fica aqui uma 
reflexão mais profunda (sobre os intelectuais e o poder, e sobre os 
intelectuais e a transformação) para futuro e improváveis escritos.

Saudações, e tenha à mão seu controle remoto. Em um momento começamos...

I -- A GLOBALIZAÇÃO: PAY PER VIEW

Na página do calendário, o ano dois mil está entre os séculos 20 e 21. Não 
me parece tão importante esta contagem de tempo, mas me parece que é um 
momento adequando para que, por todos os lados, surjam oxímoros. Para não 
ir muito longe, poderia dizer que esta época é o princípio do fim ou o fim 
do princípio de "algo". "Algo", forma irresponsável de eludir um problema. 
Porém já se sabe que nossa especialidade não é a solução de problemas, e 
sim sua criação. "Sua criação?" Não, é muito presunçoso, melhor seria dizer 
sua proposição. Sim, nossa especialidade é propor problemas. Tudo parece já 
ter acontecido antes, como um velho filme que se repete com outras imagens, 
outros recursos cinematográficos, incluindo atores diferentes, mas com o 
mesmo roteiro. Como se a modernidade (ou a "pós-modernidade", deixo a 
precisão para quem se dê ao trabalho) da globalização se vestisse com seu 
oxímoro e nos presenteasse com uma modernidade arcaica, rançosa e antiga.

Se isto que digo lhes parece mera apreciação subjetiva, atribua ao fato de 
estarmos na montanha, resistindo e em rebeldia, mas conceda-nos o 
privilégio da leitura e veja se trata-se de um sintoma a mais de "mal de 
montanha", ou você compartilha desta sensação de dejà vu que flui pelo 
hipercinema que é este mundo globalizado.

O mundo não é quadrado, pelo menos isso é o que nos ensinam na escola. 
Porém, no fio cortante da união dos milênios, o mundo também não é redondo. 
Ignoro qual seja a figura geométrica adequada para representar a forma 
atual do mundo, mas, haja visto que estamos na época da comunicação digital 
audiovisual, poderíamos tentar defini-la como uma gigantesca tela. Você 
pode agregar "uma tela de televisão", ainda que eu prefira "uma tela de 
cinema". Não apenas por preferir o cinema, também (e acima de tudo) porque 
me parece que há na nossa frente uma película, uma velha película, 
modernamente velha (para seguir com oxímoro).

É, além disso, uma dessas telas onde se pode programar a apresentação 
simultânea de várias imagens (picture in picture, a chamam). No caso do 
mundo globalizado, de imagens que se sucedem em qualquer rincão do planeta. 
Mas ali não estão todas as imagens. E não por falta de espaço na tela, mas 
porque "alguém" selecionou estas imagens e não outras. Quer dizer, estamos 
vendo uma tela com diversos quadros que apresentam imagens simultâneas -- 
de diferentes partes do mundo, é certo --, mas nem todo o mundo está ali.

Ao chegar neste ponto, a gente se pergunta, inevitavelmente, "quem tem o 
controle remoto desta tela audiovisual? E quem faz a programação?" Boas 
perguntas, mas você não encontrará aqui estas respostas. E não apenas 
porque não as temos de ciência certa, mas também porque não são o tema 
deste texto.

Posto que não podemos trocar de canal no cinema, vejamos alguns dos 
diferentes quadros que nos oferece a mega tela da globalização.

Vamos ao continente americano. Lá você tem, num quadro, a imagem da 
Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) ocupada por um grupo 
paramilitar do governo: a chamada Polícia Federal Preventiva. Não parece 
que estes homens de uniforme cinza estejam estudando. Mais 
adiante,demarcada pelas montanhas do sudeste mexicano, uma coluna de 
tanques blindados cinzas cruza uma comunidade indígena do Chiapas. Do outro 
lado, a imagem cinza apresenta um policial norte-americano que detém, com 
uma violência requintada, um jovem em um lugar que pode ser Seatlle ou 
Washington.

No quadro europeu proliferam também os cinzas. Na Áustria, é Joer Heider e 
seu fervor pró-nazi. Na Itália, com a ajuda desinteressada de D'Alema, 
Silvio Berlusconi arruma a gravata. No Estado Espanhol, Felipe Gonzáles 
maquia o rosto de José Maria Aznar. Na França é Le Pen quem nos sorri.

A Ásia, África e Oceania apresentam a mesma cor, que se repete nos seus 
respectivos rincões.

Humm... tantos cinza... Humm... nós podemos protestar... depois de tudo, 
eles nos prometeram um programa multicor... Pelo menos, aumentemos o 
volume. Vamos tentar entender que isso é...


II. - UM ESQUECIMENTO MEMORÁVEL

Como a globalização fragmentada, os intelectuais estão aí, são uma 
realidade da sociedade moderna.  E o "estar aí" deles não se limita à época 
atual, remonta aos primeiros passos da sociedade humana. Mas a arqueologia 
dos intelectuais escapa a nosso conhecimento e possibilidades, por isso 
partimos do fato de que "estão aí" Em todo caso, o que nos propomos a 
descobrir é a sua forma de "estar aí".

"Os intelectuais enquanto categoria são algo muito vago, já se sabe. 
Diferente, por outro lado, é definir a "função intelectual".  A função 
intelectual consiste em determinar criticamente o que se considera uma 
aproximação satisfatória do próprio conceito de verdade; e qualquer um pode 
desenvolvê-la, inclusive um marginal que reflita de alguma forma sobre sua 
própria condição e de alguma maneira a expresse, enquanto um escritor pode 
traí-la por reagir aos acontecimentos com paixão, sem impor o crivo da 
reflexão"2.

Se é assim, então o trabalho intelectual é, fundamentalmente, analítico e 
crítico. Frente a um fato social (para nos limitar a um universo), o 
intelectual analisa o evidente, o afirmativo e o negativo, buscando o 
ambíguo, o que não é nem uma coisa nem outra (embora assim se apresente) e 
mostra (comunica, desvenda, denuncia) não apenas o que não é evidente, mas 
inclusive o que se contradiz ao evidente.

É de se supor que as sociedades humanas tenham pessoas que se dediquem 
profissionalmente a esta análise crítica e a comunicar seus resultados. Nas 
palavras de Norberto Bobbio: "Os intelectuais são todos aqueles para os 
quais transmitir mensagens é a ocupação habitual e consciente (...) e, 
falando de uma maneira que pode até parecer brutal, quase sempre representa 
a maneira de ganhar o pão de cada dia". Fiquemos com esta aproximação ao 
intelectual, ao profissional da análise crítica e da comunicação.

Já havíamos sido advertidos de que o intelectual nem sempre exerce a função 
intelectual. "A função intelectual se exerce sempre com antecedência (ao 
que pode acontecer) ou com atraso (sobre o que já aconteceu); raramente 
sobre o que está acontecendo, por razões de ritmo, porque os acontecimentos 
são sempre mais rápidos e urgentes que a reflexão sobre os acontecimentos"3.

Por sua função intelectual, este profissional da análise crítica e sua 
comunicação seria uma espécie de consciência incômoda e impertinente da 
sociedade (nesta época da sociedade globalizada) em seu conjunto e de suas 
partes. Um inconformado com tudo, com as forças políticas e sociais, com o 
Estado, com o governo, com os meios de comunicação, com a cultura, com as 
artes, com a religião e mais o que o leitor quiser agregar. Se o ator 
social diz "aqui está", o intelectual murmura, cético: "falta", ou "sobra 
algo".

Teríamos então que o intelectual em seu papel é um crítico da imobilidade, 
um promotor da mudança, um progressista. No entanto, este comunicador de 
idéias críticas está inserido em uma sociedade polarizada, confrontada 
entre si mesma de muitas maneiras e com diferentes argumentos, mas dividida 
fundamentalmente entre os que usam o poder para que as coisas não mudem e 
os que lutam pela mudança. "O intelectual deve, por um elementar sentido de 
ridículo, compreender que não lhe é outorgado um papel de bruxo do espírito 
em torno do qual vai girar o ser ou não ser histórico, mas evidentemente 
ele tem conhecimentos (...) que pode alinhar em um ou outro sentido 
histórico. Pode alinhar na busca da elucidação das injustiças presentes no 
mundo atual ou na cumplicidade com a paralisação e a instalação do Limbo.4"

E é aqui que o intelectual opta, elege, escolhe entre sua função 
intelectual e a função que lhe propõem os atores sociais. Aparece assim a 
divisão (e a luta) entre intelectuais progressistas e reacionários. Ambos 
seguem trabalhando com a comunicação de análise crítica, mas enquanto os 
progressistas continuam  na crítica da imobilidade, da permanência, da 
hegemonia e do homogêneo; os reacionários desenvolvem a crítica à mudança, 
ao movimento, à rebelião, e à diversidade. O intelectual reacionário 
"esquece" sua função intelectual, renuncia à reflexão crítica e sua memória 
opera de modo que não exista passado ou futuro. O presente e o imediato são 
o único tempo possível e, por isso, inquestionável.

   Ao dizer "intelectuais progressistas e reacionários" nos referimos aos 
intelectuais "de esquerda e de direita". Aqui convém lembrar que o 
intelectual de esquerda exerce sua função intelectual, ou seja, sua análise 
crítica também frente à esquerda (social, partidária, ideológica), mas na 
época atual sua crítica é fundamentalmente dirigida ao poder hegemônico: o 
dos senhores do dinheiro e quem os representa no campo da política e das 
idéias.

Deixemos agora os intelectuais progressistas e de esquerda, e vamos aos 
intelectuais reacionários, a direita intelectual.


III -- O PRAGMATISMO INTELECTUAL

No princípio os gigantes intelectuais de direita foram progressistas. Falo 
dos grandes intelectuais de direita, os "think tanks" da reação, não dos 
anões que foram ingressando aos seus clubes "pensantes". Octavio Paz, 
excelente poeta e ensaísta, o maior intelectual de direita dos últimos anos 
no México, declarou: "Venho do pensamento chamado de esquerda. Foi algo 
muito importante na minha formação. Não sei agora...a única coisa que sei é 
que meu diálogo - às vezes minha discussão - é com eles (os intelectuais de 
esquerda). Não tenho muito para falar com os outros"5. Casos como o de Paz 
se repetem pela mega tela global.


O intelectual progressista, enquanto comunicador de análise crítica, se 
converte em objeto e objetivo para o poder dominante. Objeto a comprar e 
objetivo a destruir. Enormes recursos são mobilizados para as duas coisas. 
O intelectual progressista "nasce" em meio a este ambiente de sedução 
persecutória. Alguns resistem e se defendem (quase sempre sozinhos, a 
solidariedade entre grupos não parece ser a característica do intelectual 
progressista), mas outros, talvez fatigados, vasculham sua bagagem de 
idéias e tiram as que são ao mesmo tempo crítica e razão para legitimar o 
poder. O novo exige muito, o velho aí está, sendo que basta usar o 
argumento de "inevitável" para que lhe ofereçam uma cômoda poltrona (às 
vezes em forma de bolsa de estudos, posição, prêmio, espaço) por conta do 
Príncipe antes tão criticado.

"O inevitável" tem nome hoje: globalização fragmentada, pensamento único -- 
isto é, "a tradução em termos ideológicos e com pretensão universal dos 
interesses de um conjunto de forças econômicas, em particular as do capital 
internacional6". Fim da história, onipresença e onipotência do dinheiro, 
substituição da política pela polícia, o presente como único futuro 
possível, racionalização da desigualdade social, justificação da 
sobre-exploração dos seres humanos e recursos naturais, racismo, 
intolerância, guerra.

Em uma época marcada por dois novos paradigmas, comunicação e mercado, o 
intelectual de direita (e o ex-esquerda) entende que ser "moderno" 
significa seguir o slogan: adaptam-se ou percam vossos privilegiados lugares!

Não é necessário nem ser original, o intelectual de direita já tem o 
canteiro de onde haverá de tirar as pedras que adornem a globalização 
fragmentada: o pensamento único. A assepsia não importa muito, o pensamento 
único tem suas principais "fontes" no Banco Mundial, no Fundo Monetário 
Internacional, na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento 
Econômico, na Organização Mundial do Comércio, na Comissão Européia, no 
Bundesbank, no Banco da França "que, mediante seu financiamento, alinham a 
serviço de seus ideais, em todo o planeta, numerosos centros de 
investigação, universidades e fundações, os quais, por sua vez,anunciam e 
difundem a boa nova"7.

Com tal abundância de recursos, é fácil que floresçam elites que há muitos 
anos, empenham-se a fundo em fazer o elogio ao "pensamento único"; que 
exercem uma verdadeira chantagem contra toda reflexão crítica em nome da 
"modernização", do "realismo", da "responsabilidade" e da "razão"; que 
afirmam o "caráter inevitável" da atual evolução das coisas; que propõem a 
capitulação intelectual, que condenam à escuridão irracional  todos aqueles 
que se negam as aceitar que "o estado natural da sociedade é o mercado"8.

Longe da reflexão, do pensamento crítico, os intelectuais de direita 
tornam-se pragmáticos por excelência, exilados da função intelectual e 
transformados em ecos, mais ou menos estilizados, dos spots publicitários 
que inundam o mega mercado da globalização fragmentada.

Refuncionalizados na globalização fragmentada, os intelectuais de direita 
modificam seu ser e adquirem novas "virtudes" (entre elas reaparece o 
oxímoro): uma audaz covardia e uma profunda banalidade. Ambas brilham em 
suas "análises" do presente globalizado e suas contradições, suas revisões 
do passado histórico, suas clarividências. Podem dar-se ao luxo da audaz 
covardia e da profunda banalidade, já que a hegemonia universal quase 
absoluta do dinheiro os protege com torres de vidro blindado. Por isso, a 
direita intelectual é particularmente sectária e tem, além disso, o 
respaldo de não poucos meios de comunicação e governos. Ingressar nessas 
altas torres intelectuais não é fácil, é preciso renunciar à imaginação 
crítica e autocrítica, à inteligência, à argumentação, à reflexão, e optar 
pela nova teologia: a teologia liberal.

Posto que a globalização vende-se como o melhor dos mundos possíveis, mas 
carece de exemplos concretos de vantagens para a humanidade, é preciso 
recorrer à tecnologia e substituir com dogmas e fé neoliberal a falta de 
argumentos. O papel do teólogo neoliberal inclui denunciar e perseguir os 
"hereges", os "mensageiros do mal", ou seja, os intelectuais de esquerda. E 
que melhor forma de combater os críticos que acusá-los de "messianismo"?

Frente ao intelectual de esquerda, o de direita impõe o rótulo lapidar de 
"messianismo tresloucado". Quem pode questionar um presente pleno de 
liberdades, onde qualquer um pode decidir o que comprar, sejam artigos de 
primeira necessidade, ideologias, propostas políticas e comportamentos para 
qualquer ocasião?

Mas o paradoxo não perdoa. Se em algum lado há messianismo, é na direita 
intelectual. "O Grande Circo de Intelectuais Neoliberais Quimicamente Puros 
ou Ex Marxistas Arrependidos ou a Trilateral pode ser messiânico quando 
pressagia a fatalidade de um universo baseado em uma verdade única, o 
mercado único e o exército -- gendarme único vigiando o brilho do flash que 
registra a foto final da História, disparado ante as melhores paisagens das 
melhores sociedades abertas.9"

A foto final. O cenário culminante do filme da globalização.


IV- OS CLARIVIDENTES CEGOS

Parafraseando Régis Debray , o problema aqui não é por que ou como a 
globalização é irremediável, mas sim por que ou com todo o mundo, ou quase, 
acredita que ela seja irremediável. Uma resposta possível: "A tecnologia do 
fazer-crer (...) O poder da informação.. .Inf-formar:dar forma, formatar. 
Con-formar: dar conformidade. Trans-formar: modificar uma situação"10.

Com a globalização da economia, globaliza-se também a cultura. E a 
informação. Normal, portanto, que as grandes empresas de comunicação 
"estendam" sobre o mundo inteiro sua rede eletrônica sem que nada nem 
ninguém as impeça. "Nem Ted Turner, da CNN; nem Rupert Murdoch, da News 
Corporation Limited; nem Bill Gates, da Microsoft; nem Jeffrey Vinik, da 
Fidelity Investments; nem Larry Rong, do China Trust and International 
Investment; nem Robert Allen, de ATT; assim como George Soros ou dezenas de 
outros novos amos do mundo, submeteram jamais seus projetos ao sufrágio 
universal11"

Na globalização fragmentada, as sociedades são fundamentalmente sociedades 
midiáticas. As mídias são o grande espelho, não do que uma sociedade é, mas 
do que deve aparentar. Plena de tautologias e evidências, a sociedade 
midiática é avara em razões e argumentos. Aqui, repetir é demonstrar.

E o que se repete são as imagens, como estes cinzas que nos mostra agora a 
grande tela globalizada. Debray nos disse: A equação da era visual é algo 
assim como: o visível = o real = o verdadeiro. Eis aqui a idolatria 
revisitada (e sem dúvida redefinida)"12. Os intelectuais de direita têm 
aprendido bem sua lição. Mais, é um dos dogmas de sua teologia.

Onde se deu o salto que iguala o visível ao verdadeiro? Truques da tela 
globalizada.

O mundo inteiro, melhor ainda, o conhecimento inteiro está à mão de 
qualquer um com uma televisão ou um computador portátil. Sim, mas não 
qualquer mundo e não qualquer conhecimento. Debray explica que o centro de 
gravidade das informações foi deslocado do escrito para o audiovisual, do 
signo para a imagem. As vantagens para os intelectuais de direita (e as 
desvantagens para os progressistas) são óbvias.

Analisando o comportamento da informação na França durante a guerra do 
Golfo Pérsico, se revela o poder das mídias: no começo do conflito, 70% dos 
franceses mostravam-se hostis à guerra; no final, a mesma porcentagem 
aprovava-a. Sob o bombardeio das mídias, a opinião pública francesa "mudou" 
e o governo obteve as vantagens por sua participação bélica.

Estamos na "era visual". Assim, as informações apresentam-se na evidência 
de sua imediatez, portanto é real o que nos é mostrado, portanto é 
verdadeiro o que vemos. Não há lugar para a reflexão intelectual crítica, 
no máximo há espaço para comentaristas que "completem" a leitura da imagem. 
O visual desta era não foi feito para ser visto, mas para oferecer 
"conhecimento". O mundo tornou-se uma mera representação multimídia, que 
omite o mundo exterior, capaz de ser conhecida na mesma medida em que é 
vista. Sim, indícios do terceiro milênio, século XXI, e a filosofia 
flutuante em nosso mundo "moderno" é o idealismo absoluto.

Já se pode tirar algumas conclusões: o novo intelectual de direita tem que 
desempenhar sua função legitimadora na era visual; optar pelo direto e 
imediato; passar do signo à imagem e da reflexão ao comentário televisivo. 
Nem ao menos tem que se esforçar para legitimar um sistema totalitário, 
brutal, genocida, racista, intolerante e excludente. O mundo que é objeto 
de sua "função intelectual" é o apresentado pelos meios de comunicação: uma 
representação virtual. Se no hipermercado da globalização o Estado-Nacional 
se  redefine como uma empresa, mais, os governantes como gerentes de vendas 
e os exércitos e polícias em agências de vigilância, então a direita 
intelectual faz o papel de relações públicas.

  Em outras palavras, na globalização, os intelectuais de direita são 
"multiuso", coveiros da análise crítica e da reflexão, ilusionistas nas 
rodas de moinho da teologia neoliberal, "pontos" de governos que esqueceram 
o "script", comentaristas do evidente, instigadores de soldados e polícias, 
juizes gnósticos que separam em rótulos de "verdadeiro" e "falso" o que 
lhes convêm. Guarda-costas teóricos do Príncipe, e anunciadores da "nova 
história".


V- O FUTURO PASSADO

  "Queimar livros e erguer fortificações é tarefa comum dos príncipes", 
disse Jorge Luis Borges. E acrescenta que todo o príncipe quer que a 
história comece a partir dele. Na era da globalização fragmentada não se 
queimam livros (embora ergam-se fortificações), eles apenas são 
substituídos. Mesmo desta maneira, mais que suprimir a história, o príncipe 
neoliberal instrui seus intelectuais para que a refaçam de maneira que o 
presente seja o fim dos tempos.

"Os Maquiadores da História", assim Luis Hernández Navarro intitulou um 
artigo dedicado ao debate com os intelectuais de direita no México13. Além 
de provocar o presente texto (escrito com a intenção de dar seguimento às 
suas posições), Hernández Navarro adverte sobre uma nova ofensiva: a nova 
direita intelectual dirige suas baterias contra figuras representativas da 
intelectualidade progressista mexicana."Rentista tardia da tranqüilidade 
planetária do "pensamento único", renegada de sua identidade, herdeira de 
papel passado da queda do muro de Berlim, sócia e emuladora do circuito 
cultural conservador norte-americano, esta direita está convencida de que a 
crítica cultural outorga credenciais suficientes para emitir, sem 
argumentação, juízos sumários a seus adversários no terreno político".

As razões não-ideológicas deste ataque devem ser buscadas na disputa pelo 
espaço de credibilidade. No México os intelectuais de esquerda têm grande 
influência na cultura e na universidade. Estorvam, esse é o seu delito.

Ou melhor, este é um de seus delitos. Outro é o apoio destes intelectuais 
progressistas à luta zapatista por uma paz justa e digna, pelo 
reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e pelo fim da guerra contra 
os índios do país. Este pecado não é menor. "O levante zapatista inaugura 
uma nova etapa, a do começo dos movimentos indígenas como atores da 
oposição à globalização neoliberal"14. Não somos os melhores nem os únicos 
: aí estão os indígenas do Equador e do Chile, os protestos em Seattle e 
Washington (e os que se sigam em ordem cronológica, não em importância) Mas 
somos uma das imagens que distorcem a mega tela da globalização fragmentada 
e, como fenômeno social e histórico, demandamos reflexão e análise crítica.

E a reflexão e a análise crítica não estão no "arsenal" da direita 
intelectual. Como cantar as glórias da nova ordem mundial (e sua imposição 
no México) se um grupo de indígenas "pré-modernos" não apenas desafia o 
poder, mas também conquista a simpatia de uma importante faixa dos 
intelectuais ? Em conseqüência, o Príncipe ditou suas ordens: "ataquem uns 
e outros, eu entro com o exército e os meios de comunicação, vocês, com as 
idéias". Assim a nova direita intelectual dedicou zombarias e calúnias a 
seus pares da esquerda. Aos indígenas rebeldes zapatistas, nos 
dedicou...uma nova história.

E, enquanto o zapatismo teve impacto internacional, a direita intelectual, 
em várias partes do mundo (não apenas no México), dedicou-se a esta tarefa. 
Os intelectuais de direita não apenas maquiam a história, refazem-na, 
reescrevem-na à conveniência do Príncipe e à maneira de sua função intelectual.

Mas voltemos ao México. "Ao longo deste século, os intelectuais no México 
têm desempenhado funções diversas: cortesãos de luxo do poder de turno, 
decoração do Estado, vozes dissidentes (que, para institucionalizar-se, são 
chamadas Consciências Críticas), intérpretes privilegiados da história e da 
sociedade, espetáculos em si mesmos"15.

O último grande intelectual de direita no México, Octavio Paz, cumpriu 
cabalmente o trabalho encomendado pelo Príncipe. Não economizou palavras 
para desprestigiar os zapatistas e quem mostrasse simpatia por sua causa 
(atenção: não por sua forma de luta). Uma das melhores mostras de Paz a 
serviço do Príncipe está em seus textos e declarações do início de 1994. 
Ali, Octavio Paz definia não o EZLN, mas sim os argumentos sobre os quais 
seus soldados intelectuais deveriam se aprofundar: maoísmo, messianismo, 
fundamentalismo, e alguns outros "ismos" mais que agora escapam à memória. 
Frente aos intelectuais progressistas, Paz não economizou acusações: eles 
eram responsáveis pelo "clima de violência" que marcou o ano de 1994 (e 
todos os anos do México moderno, mas a direita intelectual nunca brilhou 
por sua memória histórica). Concretamente, pelo assassinato do candidato 
oficial à presidência da Republica, Colosio. Anos depois, antes de morrer, 
Paz retificaria e assinalaria que o sistema estava em crise e que, mesmo 
sem o levante zapatista, estes fatos ocorreriam de qualquer forma16.

Nenhum dos atuais herdeiros de Paz têm sua estatura, mesmo que não lhes 
falte ambição para ocupar seu lugar. Não como intelectuais, pois lhes falta 
inteligência e brilho, mas pelo lugar privilegiado que ocupou ao lado do 
Príncipe. Ainda assim, fazem sua luta. E seguem empenhados em criar, para o 
zapatismo, uma história que lhes seja cômoda -- não apenas para atacá-lo, 
mas sim, sobretudo, para evitar a análise crítica e a reflexão séria e 
responsável.

Mas não apenas a história do zapatismo e dos povos índios os intelectuais 
de direita reescrevem. A história inteira do México está sendo refeita para 
demonstrar que estamos, agora, no melhor dos Méxicos possíveis. É dessa 
maneira que os anões da direita intelectual revisam o passado e nos vendem 
uma nova imagem de Porfírio Díaz, de Santa Ana, de Calleja, de Cárdenas.

E esta ânsia de reescrever a história não é exclusiva do México. Na tela da 
globalização, já nos é oferecida uma nova versão, onde o Holocausto nazi 
contra os judeus foi uma espécie de Disneylândia seletiva, Adolf Hitler é 
uma espécie de alegre Mickey Mouse ariano e, mais recentemente, as guerras 
do Golfo Pérsico e de Kosovo foram "humanitárias". No futuro passado que 
nos prepara a direita intelectual, a globalização é o deus ex machina que 
trabalha sobre o mundo para preparar seu próprio advento.

Mas, essas imagens cinzas que nos mostra agora a mega tela da globalização, 
que futuro anunciam?


VI- O LIBERAL FASCISTA

Eu digo que este filme já foi visto antes, e se não nos lembramos é porque 
a história não é um artigo atrativo no mercado globalizado. Esses cinzas 
podem significar algo: a reaparição do fascismo.

Paranóia? Umberto Eco, em um texto chamado "O fascismo eterno", de obra já 
citada, dá algumas chaves para entender que o fascismo segue latente na 
sociedade moderna e que, ainda que pouco provável que se repitam os campos 
de extermínio nazistas, alguns lugares do planeta assistem ao que se chama 
"Ur Fascismo". Depois de advertir que o fascismo era um totalitarismo 
fuzzy, ou seja, disperso, difuso em todo o social, propõe algumas de suas 
características: rejeição ao avanço do saber, irracionalismo, a cultura é 
suspeita de fomentar atitudes críticas, o que não está de acordo com o 
hegemônico é uma traição, medo da diferença e racismo, surge da frustração 
individual ou social, xenofobia, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes 
demais e fracos demais, a vida é uma guerra permanente, elitismo 
aristocrático, sacrifício individual para o benefício da causa, machismo, 
populismo qualitativo difundido pela televisão, "neolinguagem" (de léxicos 
pobres e sintaxe elementar).

Todas estas características podem ser encontradas nos valores que defendem 
e difundem as mídias e os intelectuais de direita na era visual, na era da 
globalização fragmentada. "Será que hoje, assim como ontem, não se está 
usando o cansaço democrático, a náusea diante do nada, o desconcerto 
perante a desordem como aval para uma nova situação histórica de exceção 
que requer um novo autoritarismo persuasivo, unificador da cidadania em 
clientes e consumidores de um sistema, um mercado, uma repressão 
centralizada?", pergunta Manuel Vázquez Montalbán na obra já citada.

Olhe você para a mega tela, todos estes cinzas são a resposta à desordem. É 
o que é necessário para enfrentar quem se nega a desfrutar o mundo virtual 
da globalização e resiste. E, no entanto, parece que o número de 
descontentes cresce. Um dos anões mexicanos que aspiram a ocupar a cadeira 
deixada por Octavio Paz constatava, terrificado, que em pesquisa feita no 
México em 1994, pelo Instituto de Investigações Sociais da UNAM, 29% dos 
entrevistados dizia que as leis não devem ser obedecidas se injustas. Em 
novembro de 1999, para 49% das pessoas pesquisadas na revista "Educación 
2001", a resposta à pergunta "pode o povo desobedecer as leis se elas 
parecem injustas?" era sim. Depois de reconhecer que é preciso resolver 
problemas de crescimento econômico, educação, emprego e saúde, assinalava o 
autor: "Todas estes coisas só podem ser alcançadas se a sociedade está 
segura num piso mais básico, que é o da segurança pública e do cumprimento 
da lei. Este piso está cheio de buracos no México, e tende a piorar"17.  O 
raciocínio é sintomático: na falta de legitimidade e consenso, polícia!

O clamor da direita intelectual por "ordem e legalidade" não é 
exclusividade do México. Na França, o fascista Le Pen está disposto a 
responder ao chamado. Na Áustria, o neonazista Heider já está pronto, assim 
como o franquista Aznar no Estado Espanhol. Na Itália, Berlusconi (aliás, o 
"Duce Multimedia") e Gianfranco Fini se aprontam para o momento.

A Europa comparece novamente ao balcão do fascismo? Soa duro...e distante. 
Mas aí estão as imagens da mega tela. Estes skinheads que mostram seus 
porretes na esquina: estão na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda? "São 
minoritários e estão sob controle", nos tranqüiliza o áudio da mega tela. 
Mas parece que o fascismo renovado nem sempre tem a cabeça raspada e o 
corpo tatuado com suásticas. Mesmo assim não deixa de ser uma direita sinistra.

Se digo "direita sinistra" pode parecer que jogo com as palavras e recorro 
novamente a oxímoro, mas quero chamar atenção sobre algo. Depois da queda 
do murro de Berlim, o espectro político europeu, na sua maioria correu 
atropeladamente ao centro. Isso é evidente na esquerda tradicional 
européia, mas também nos partidos de direita18. Com uma máscara moderna,  a 
direita fascista começa a conquistar espaço que já ultrapassa muito as 
notas policiais na mídia. Isso só é possível porque estão se esforçando 
para construir uma nova imagem, distante do passado violento e autoritário .

Também por estarem apropriando-se da teologia neoliberal com uma facilidade 
espantosa (por algo será), e porque em suas campanhas eleitorais estão 
insistindo muito em temas de segurança pública e emprego (alertando contra 
a "ameaça" dos imigrantes). Alguma diferença das propostas da social 
democracia ou da esquerda tradicional?

O fascismo espreita por trás da "terceira via" européia, e também da 
esquerda que não se define (em teoria e prática) contra o neoliberalismo. 
Às vezes, a direita pode vestir-se com os trapos da esquerda. No México, no 
recente debate televisivo entre os seis candidatos à presidência da 
República, o candidato que obteve consenso da direita intelectual foi 
Gilberto Rincón Gallardo, do Partido Democrata Social, aparentemente de 
esquerda. Por acaso a televisão não mostrou que alguns dos militantes e 
candidatos do PDS em Chiapas são líderes de vários grupos paramilitares, 
responsáveis, entre outras coisas, pelo massacre de Acteal.

Que a direita fascista e a nova direita intelectual estejam prontas para 
mostrar suas habilidades aos senhores do dinheiro não surpreende. O 
desconcertante é que, algumas vezes, são a social-democracia ou a esquerda 
institucional quem lhes prepara o caminho.

Se no Estado Espanhol, Felipe González (este político tão aplaudido pela 
direita intelectual) trabalhou para a vitória do direitista Partido Popular 
de José María Aznar, na Itália, o caminho pelo qual a direita se dirige ao 
poder chama-se Massimo D´Alema. Antes de renunciar, D´Alema fez todo o 
necessário para que a esquerda naufragasse. "D´Alema e os seus financiaram 
com o dinheiro de todos a educação religiosa e prepararam a privatização da 
(educação) pública, participaram plenamente da aventura da OTAN contra a 
Iugoslávia e da ocupação virtual da Albânia, privatizaram o que puderam, 
atentaram contra os aposentados, reprimiram os imigrantes, submeteram-se a 
Washington, reabilitaram os corruptos e até mesmo a Bettino Craxi, em cuja 
residência no exílio, como fugitivo da justiça, desfilaram para pedir-lhe 
ajuda, redigiram uma lei sobre os carabineros ditada pelo comando golpista 
dos mesmos...19" Resultado? Boa parte do eleitorado de esquerda se absteve 
de votar.

Na complicada geometria política européia, a chamada  "terceira via" não 
apenas tem resultado letal para a esquerda, mas também tem sido o ponto de 
partida do neofascismo.

Talvez esteja exagerando, mas "a memória é uma faculdade estranha. Quanto 
mais intenso e isolado é o estímulo que a memória recebe, mais lembra-se; 
quanto mais amplo, menos intensa é a lembrança20", e eu suspeito que esta 
avalanche de imagens cinzas na tela é para que lembremos com menos 
intensidade, com preguiça, desejando esquecer.

E se os livros não mentem (ver Umberto Eco, em obra citada), foi o fascismo 
italiano que chamou muitos líderes liberais europeus porque consideravam 
que estavam levando a cabo interessantes reformas sociais, e poderiam ser 
uma alternativa à "ameaça comunista".

Em agosto de 1997, Fausto Bertinotti, (secretario do Partido de Refundação 
Comunista italiano), escreveu em uma carta ao EZLN: "Está aberta, na 
Europa, uma verdadeira crise de civilização. Poderíamos, infelizmente, 
narrar centenas, milhares de episódios de barbárie cotidiana, de violência 
gratuita, de agressão a pessoas, ao corpo, de tráfico de pessoas, de 
corpos, de órgãos, sem nenhum sentido. E acima de tudo, com uma grossa capa 
de indiferença, como se a vida tivesse perdido o sentido. Poderia contar 
coisas que acontecem na periferia urbana, realidade e metáfora da tragédia 
humana em que se transformou este novo ciclo de desenvolvimento capitalista".

Diante desta vida sem sentido, o liberal fascista oferece sua cara amável e 
argumenta, ressaltando suas bondades, em favor do recurso à violência 
legalizada, institucional.

O horizonte anuncia a tempestade, e a direita intelectual trata de nos 
tranqüilizar dizendo que não é mais que uma chuva, sem importância. Tudo 
para garantir o pão, o sal...e seu lugar junto ao Príncipe. Protegei-o! Não 
importa que sua camisa seja cinza e em seu aconchegante seio se cultive o 
ovo da serpente.

"O ovo da serpente". Sim, se não me engano, é o título de um filme de 
Bergman que descreve o ambiente em que se gestou o fascismo. E o que fazer? 
Continuarmos sentados até que termine o filme? Sim? Não? Um momento! Muitos 
já levantaram de seus lugares e fazem alvoroço!  O burburinho aumenta! 
Alguns atiram objetos na tela e vaiam! Em vez de dirigir-se à tela, vão 
para cima! Como se quisessem encontrar o projetor do filme! E parece que o 
encontraram pois apontam insistentemente para um lugar lá no alto! Quem são 
essas pessoas e com que direito  interrompem a projeção? Uma delas levanta 
uma faixa que diz: "Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a 
iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicamos 
nossos direitos, reivindiquemos também o dever de nossos deveres.21" O 
dever de nossos deveres? Que alguém explique porque não entendemos nada! 
Silêncio! Alguém toma a palavra...


VII- A CÉTICA ESPERANÇA

Os intelectuais progressistas.  Os de esperança cética.  O sociólogo 
francês Alain Touraine propõe uma classificação deles22: o mais clássico é 
o intelectual que denuncia, onde toda a atenção concentra-se sobre a 
crítica ao sistema dominante; o segundo tipo identifica-se com tal luta ou 
tal força de oposição e torna-se seu intelectual orgânico; o terceiro crê 
na existência, na consciência e na eficácia dos atores, ao mesmo tempo em 
que conhece seus limites; o quarto são os utópicos: identificam-se com as 
novas tendências culturais, da sociedade ou da existência pessoal.  Todos 
eles (e elas, pois ser intelectual não é privilégio masculino) empenham 
seus esforços em entender, criticamente, a sociedade, sua história e seu 
presente, e tratam de desentranhar a incógnita de seu futuro.

Não é nada fácil a vida dos pensadores progressistas.Em sua função 
intelectual dão-se conta de como vão as coisas e, noblesse oblige, devem 
revelá-lo, exibi-lo, denunciá-lo, comunicá-lo. Mas para fazê-lo, precisam 
enfrentar a teologia neoliberal da direita intelectual, e por trás dela 
estão a mídia, os bancos, as grandes corporações, os Estados (ou o que 
resta deles), os governos, os exércitos, as forças policiais.

E devem fazê-lo, além disso, na era visual. Aqui estão em franca 
desvantagem, pois é preciso levar em conta as grandes dificuldades em que 
implica enfrentar o poder da imagem unicamente com o recuso da palavra. Mas 
seu ceticismo frente às aparências já lhes permitiu descobrir a trama. E 
com o mesmo ceticismo estruturam suas análises críticas para desestruturar 
conceitualmente a máquina das belezas virtuais e as misérias reais. Há 
esperança?

Fazer da palavra um bisturi e megafone é um desafio descomunal. E não 
apenas porque nesta época o reino é o da imagem. Também porque o despotismo 
da era visual confinou a palavra nos bordéis e nas barracas de truques e 
trampas. "Ainda assim, só podemos confessar nossa confusão e nossa 
impotência, nossa ira e nossas opiniões, com palavras. Com palavras, 
nomeamos ainda nossas perdas e nossas resistências porque não temos outro 
recurso, porque os homens estão inevitavelmente abertos à palavra e porque 
pouco a pouco são elas que moldam nosso julgamento. Nosso julgamento, 
temido amiúde pelos detentores do poder, molda-se lentamente, como o leito 
de um rio, por meio de correntes de palavras. Mas as palavras só formam 
correntes quando elas são profundamente críveis"23.

Credibilidade. Algo de que carece a direita intelectual e que, 
afortunadamente, sobra entre os intelectuais progressistas. Suas palavras 
produziram, e produzem em muitos, primeiro a surpresa; depois a inquietude. 
Para essa inquietude não seja abatida pelo conformismo que a era visual 
prescreve, fazem falta mais coisas que escapam do âmbito do trabalho 
intelectual.

Mas mesmo quando a palavra já se transformou em corrente, a função 
intelectual não termina. Os movimentos sociais de protesto diante do poder 
(neste caso, a globalização e o neoliberalismo) devem ainda atravessar um 
longo caminho, não só para conseguir seus objetivos, mas até para se 
consolidar como alternativa de organização para muitos. Enfim, é preciso 
reconhecer a responsabilidade particular dos intelectuais. Depende da ação 
deles, mais do que qualquer outra categoria, saber se o protesto se 
esgotará em denúncia sem perspectiva ou, ao contrário, levará à formação de 
novos atores sociais e, indiretamente, a novas políticas econômicas e 
sociais24.

O intelectual progressista se debate continuamente entre Narciso e 
Prometeu. Às vezes, a imagem no espelho o engana e começa seu inexorável 
caminho de transmutação num empregado a mais do mega mercado neoliberal. 
Mas às vezes ele quebra o espelho e descobre não apenas a realidade que 
está por trás do reflexo, mas também outros que não são como ele mas que, 
como ele, estão quebrando seus respectivos espelhos.

A transformação de uma realidade não é tarefa de apenas um ator, por mais 
forte, inteligente, criativo e visionário que possa ser. Sozinhos, nem os 
atores políticos e sociais, nem os intelectuais podem levar a um bom termo 
essa transformação. É um trabalho coletivo. E envolve não apenas ação, mas 
também análises da realidade e decisões sobre os rumos e ênfases do 
movimento de transformação.

Contam que Michelangelo Buonarroti realizou seu "David" com sérias 
limitações materiais."O pedaço de mármore sobre o qual esculpiu já havia 
sido trabalhado por outra pessoa, já tinha perfurações. O  talento do 
escultor consistiu em fazer uma figura que se ajustasse a estes limites 
intransponíveis e tão restritos, daí a postura, a inclinação da peça final"25.

Da mesma maneira, o mundo que queremos transformar já foi trabalhado antes 
pela história e tem muitas perfurações. Devemos encontrar o talento 
necessário para, a partir destes limites, transformá-lo e fazer uma figura 
simples e sincera: um mundo novo.

Saúde, e não esqueçam que a idéia é também um formão.



Das montanhas do sudeste mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos
México, abril de 2000.


PS: Alguém tem um martelo à mão?

(Tradução: Wilson Sobrinho)
1 Jorge Berger. Cada vez que decimos adiós. Ediciones de la flor. 
Argentina, 1977. Págs. 278-279
2 Umberto Eco. Cinco escritos morales. Ed. Lumen. Tradução Helena Lozano 
Miralles.  p. 14-15)
3 Umberto Eco. Op. Cit.  P. 29.
4 Manuel Vázquez Montalbán.  Panfleto desde el planeta de los simios.  Ed. 
Drakontos. Barcelona 1995.  p. 48
5 Braulio Peralta  El poeta en su tierra. Diálogos con Octavio Paz.  Ed. 
Grijalbo.
6 Ignacio Ramonet. Un mundo sin rumbo. Crisis de fin de siglo. Editorial 
Debate. Madrid.
7 Ignacio Ramonet. Op. Cit. P. 111.
8 Ibid. P. 114.
9 Manuel Vázquez Montalbán.  Op. Cit.  p. 47.
10 Regis Debray. Croire, Voir, Faire. Ed. Odile Jacob. París 1999. P. 193.
11 Ignacio Ramonet.  Op. Cit.  p. 109.
12 Régis Debray. Op. Cit. P. 200.
13 "Ojarasca", en La Jornada, 10 abril de 2000
14 Ivon Le Bot. "Los indígenas contra el neoliberalismo", en La Jornada, 6 
março 2000
15 Carlos Monsiváis. "Intelectuales Mexicanos de fin de siglo" Viento del 
Sur 8. 1996. P. 43.
16 Braulio Peralta. Op. Cit.
17 Héctor Aguilar Camín. "Leyes y Crímenes". En "Esquina". Proceso 1225, 23 
de abril de 2000.
18 Ver Emiliano Fruta, "La nueva derecha europea", y Hernán R. Moheno, "Más 
allá de la vieja izquierda y la nueva derecha.", em Urbi et Orbi. ITAM. 
Abril 2000)
19  Guillermo Almeyra.  "La izquierda de la derecha" En La Jornada. 23 de 
abril de 2000
20  John Berger. Op. Cit. P.234.
21 José Saramago. Discursos de Estocolmo. Ed. Alfaguara.
22 Comment sortir du libéralisme? Ed. Fayard. París, 1999.
23 John Berger. Op. Cit. P. 255.
24 Alain Touraine. Op. Cit. P. 15.
25 Pablo Fernández Christlieb. La afectividad colectiva. Ed. Taurus. P. 
164-165.






h.d.mabuse
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"Pare de fazer sentido!"
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